- O JMC nos deu Educação
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- Meu pai, Oscar Chaves, já
havia estudado no Conceição, na década de trinta. Eu lá cheguei cerca de 25 anos
depois, em Fevereiro de 1961, para iniciar o Curso Clássico. Tinha 17 anos. Formei-me em
Novembro de 1963, numa cerimônia da qual fui orador da turma e
que teve o então deputado Camilo Ashcar como paraninfo.
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- A experiência no Conceição me marcou. Ali o
adolescente, recém menino (cheirando a fraldas, como dizia meu pai), virou gente grande:
cresceu intelectualmente, começou a tomar conta de sua vida, aprendeu a assumir
responsabilidade pelos seus atos, apaixonou-se mais de uma vez. Escola de vida.
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- Michael Hammer, o guru da reengenharia, disse, em seu
último livro, que educação é aquilo que resta depois que a gente esqueceu o que nos
foi ensinado. No caso do Conceição, restou muito.
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- Nos estudos, o principal remanescente foi o gosto pelo
saber, o entusiasmo pela descoberta, o desejo constante de aprender. No meu caso
particular, há várias instâncias disso.
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- Em primeiro lugar, menciono o amor pelo língua e pela
cultura francesa, que me foi despertado pela Dona Elza Fiúza Telles. Ah, como era bom ter
aula de Francês com ela, escutar sua pronúncia linda, virtualmente sem sotaque, ouvi-la
falar sobre literatura francesa. O livro texto era
Langue et Civilisation Française,
de G. Mauger, até há bem pouco tempo usado nas Alianças Francesas, mas a gente não se
limitava ao livro texto: lia os originais. Em suas aulas li Racine, Corneille, Molière,
Chateaubriand, de Musset, de Vigny, Hugo, Stendahl, decorei
Le Lac, de Lamartine, o
Salmo 23 "LÉternel est mon berger, je naurai point de
disette". E não ficávamos só nos clássicos: li, por exemplo,
Alexis Zorba
(Zorba o Grego), de Nikos Kazantzakis, em francês, no terceiro ano clássico, num sistema
de leituras independentes em que Dona Elza deixava que cada aluno progredisse em seu
próprio ritmo. O gosto pela língua e civilização francesa continuam até hoje: sou
membro do Conselho Diretor e um dos sócios cotistas da Aliança Francesa de Campinas (que
é uma instituição educacional e cultural sem fins lucrativos).
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- Em segundo lugar, é preciso registrar o amor pela língua
inglesa, que foi despertado e nutrido pela Dona Jean Pemberton. Tanto nas aulas, como,
especialmente, no famoso English Club, Dona Jean também nos ajudava a dominar e a amar o
Inglês, a aprender famosas canções como "Oh! Give me a home, where the buffalo
roams, where the deer and the antylope play, where seldom is heard a discouraging word,
and the sky is not cloudy all day", a decorar "tongue twisters" como
"Peter Piper picked a pack of pickled peppers", e a repeti-los com rapidez, a
cantar Christmas Carols, etc.
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- Mas o Português não pode ser esquecido. O Reverendo
Joaquim Machado fazia com que achássemos extremamente interessante e útil aprender as
regras mais complicadas da colocação de pronomes, da crase, das funções da partícula
"se", etc., e nos dava redações para casa sobre temas como "O pobre muda
de dono mas não muda de sorte"... Na aulas de literatura, com o Reverendo Renato
Fiuza Telles, tive que fazer trabalhos sobre o Teatro de Gil Vicente, as cartas de amor da
Sóror Mariana Alcoforado, Senhora,
A Moreninha,
Helena, e o sempre
clássico Dom Casmurro. "Capitu: Culpada ou Inocente" talvez
culpada, quem sabe inocente? foi o tema de um de meus trabalhos de literatura
brasileira.
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- E o Latim com o Reverendo Fernando Buonaduce? "Quo
usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? Quam diu etiam furor iste tuus nos
eludet?" (Cicero, In Catilinam Oratio I). E Grego, de novo com a Dona Jean?
Psicologia, Lógica e História com o Reverendo João Euclydes Pereira? Matemática com o
Reverendo Aureliano Lino Pires? Até um pouco de Física tivemos, com o Samuel Xavier
(irmão do Josué, marido da Isva Ruth, a eficiente Secretária da escola).
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- Onde é que um aluno de segundo grau hoje aprende tudo
isso?
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- Em termos de enriquecimento cultural, não se pode
esquecer a música. A pessoa de João Wilson Faustini, o Coral regular do Conceição, o
Coral especial para o Billy Graham, o coral do Recital no Municipal, o Coral da Quinta
Igreja Presbiteriana Independente, em Osasco, regido pelo meu amigo e companheiro de
quarto no segundo ano, Jonas Christensen, o Coral Johann Sebastian Bach, em São Paulo, do
qual participei, levado também pelo Jonas, os Concertos Matinais Mercedes Benz em São
Paulo nos domingos de manhã, Concertos no Municipal em algumas sextas-feiras, dos quais
me recordo especialmente de um em que, pela primeira vez, ouvi a Nona Sinfonia de
Beethoven, na companhia do Faustini (e em meio às lágrimas inctroláveis dele), e tanto
mais. A sensibilidade do Faustini era tanta que seus olhos se enchiam de lágrimas ao
reger um ensaio em que o coral conseguisse interpretar as músicas como ele desejava. Ao
reger Fugi Tristeza e Horror, no Domingo de Páscoa, seus olhos brilhavam de modo a
dar a impressão de que ele havia acabado de ver o Jesus ressuscitado.
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- Num plano mais popular, as serenatas apaixonadas,
realizadas à socapa perto da Casa das Moças, em que eu e o Evandro Luís da Silva
sapecávamos lancinante duetos de Vaya com Diós,
El Dia que me Quieras,
Teus
lindos olhos, etc. (Um dia tivemos que sair correndo porque o "Seu" Benedito
acendeu a luz de sua casa e apareceu na porta com o que parecia ser uma espingarda... O
Paulão Cosiuc, segundo consta, mergulhou de cabeça aquela noite nas águas então apenas
barrentas do Jordão).
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- E os esportes? Futebol de campo e de salão, basquete,
vôlei. Times valentes, aqueles. No futebol de campo e de salão, o Dorival Xavier era o
astro ninguém lhe chegava perto, era "hors concours". No futebol de
campo, entretanto, o Paulo Cosiuc conseguia fazer incríveis gols de bicicleta, que me
deixavam admirado (quando não um pouco invejoso). No basquete e no vôlei o Ambrósio
Jorge Neto, o Deoclécio (ele às vezes escrevia Deocléssio) Silveira Amaral e o Robert
("Bob") Nicholas Lodwick brilhavam. (O pai do Bob, Reverendo Robert E. Lodwick,
fiquei sabendo pela última Newsletter, já havia brilhado nessa arena anos
antes). Jogos violentos de futebol de campo contra o time da Vila (cidade de Jandira),
disputas acirradas contra o Seminário de Campinas, no futebol de salão, lindas partidas
de basquete e de vôlei contra a Escola Graduada (Graded School) de São Paulo.
Tirando o basquete, que nunca joguei, fui figurante nos outros três esportes. Jogava de
beque no futebol de salão, com meu caro amigo Hélio de Castro e Souza, hoje Delegado de
Ensino em Taubaté.
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- Eu me estenderia muito se começasse a falar sobre os
colegas de classe e os outros. Presto homenagem apenas a três dos colegas de classe que
já morreram: Ambrósio Jorge Neto, Jonas Christensen, e Maria Helena Pires. (Os dois
primeiros eram colegas de classe mas não concluíram o curso no JMC em 1963). [Restante da Turma].
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- Estender-me-ia ainda mais se falasse dos amores. Quem
passou algum tempo no Conceição e não ficou pelo menos uma vez apaixonado, "foi
espectro de homem, não foi homem, só passou pela vida, não viveu". O poema de
Francisco Otaviano dos Reis fala do sofrimento, não do amor, mas no Conceição amor e
sofrimento eram sinônimos, porque era proibido namorar, embora a norma fosse aplicada com
certa leniência. Era proibido, sim, andar de mãos dadas, abraçar-se, trocar beijos. Mas
era tolerado esperar juntos na fila diante do refeitório, sentar-se juntos durante as
refeições, trocar breves palavras no intervalo das aulas. E era permitido olhar. Ah,
como fala um olhar! As moças só vinham para o lado dos rapazes para as aulas, as
refeições e os cultos. Fora disso, ficavam na distante Casa das Moças, do outro lado do
Jordão. "O Jordão eu não passarei só" era um hino sobre o qual muita
brincadeira se fazia. Mais de uma vez fiquei do lado de cá do vale olhando para uma
figura que, com minha miopia (que me valeu o apelido de "Cegão"), só a fé me
garantia ser quem eu queria no alpendre da Casa das Moças. Como bem sabem o Elizeu Cremm
e a Marli (hoje também) Cremm, namoro à distância representava sofrimento, mas ajudava
a aumentar a "botina", porque o amor se alimenta talvez mais de olhares e
sorrires do que dos finalmentes hoje tão comuns em fase precoce de namoro, ou mesmo
sem... Meus amores lá tinham nomes (ainda têm, embora os sobrenomes tenham se
alterado...) que terminam com um som de "i": Reacy, Natalie, Sueli. A amizade, o
carinho e a doce lembrança permanecem depois de, em alguns casos, mais de 35 anos.
[Natalie, cujo sobrenome era Browne, era neta do Rev. Philippe Landes, sobre quem
Emílio Maciel Eigenheer fala em sua vinheta].
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- Nos aspectos mais práticos da vida, era duro ter que
arrumar o quarto, lavar a roupa, ajudar no refeitório de vez em quando, viver quase
sempre sem dinheiro. A gente tinha que "se virar" para ganhar um magro
dinheirinho. Enquanto no Conceição preguei pela primeira vez, numa congregação em
Itapevi, fui pela primeira vez trabalhar numa Igreja nas férias (em Pirapozinho, SP)
e isso rendia alguma remuneração. Em troca de alguns trocados, cantei, em
quarteto ou octeto, em vários casamentos na Catedral Evangélica da Igreja Presbiteriana
Independente de São Paulo ("Sublime amor, além do entendimento", "Senhor
aqui viemos te adorar, trazendo humildemente o nosso amor"). No Conceição, fui
eleito pela primeira vez (Presidente do Grêmio Miguel Torres) embora isso não
rendesse nenhum dinheiro... Ali votei pela primeira vez (se não me engano, para Jânio
Quadros, quando ele se recandidatou, sem sucesso, ao Governo do Estado, depois da
renúncia à Presidência). Quanta primeira vez compactada em tão pouco tempo! (A
primeira vez em que todo mundo pensa quando se fala em primeira vez só veio a acontecer
depois do JMC).
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- No Conceição conquistei confiança em minha própria
capacidade e isso foi fruto do contexto de estimulação e desafio intelectual, rigor
acadêmico, e liberdade com responsabilidade em que vivíamos. Ali senti que poderia, com
a base que tinha recebido, ser o que quisesse na vida. (O leque do que eu queria era,
entretanto, bastante limitado naquela época.)
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- Educação é isso: é o que resta, depois que a gente se
esqueceu do que nos foi ensinado: o amor do saber, o entusiasmo pela descoberta, a
fascinação pelo conhecimento, pela cultura, pelas artes, o desejo de sempre aprender
mais, o sentido de valor que nos ensina a separar o importante do urgente e a priorizar as
coisas, a certeza de que a vida vale a pena quando se tem um objetivo pelo qual lutar. O
Conceição nos legou tudo isso. O Conceição nos deu educação. Talvez a melhor
educação de que se tenha notícia neste país.
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- Campinas, Setembro de 1997
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(*)
Eduardo Chaves (eduardo@chaves.com.br),
depois do Conceição, estudou no Seminário Presbiteriano de Campinas, SP, do qual foi
expulso em 1966 (no meu site
www.chaves.com.br,
na seção "Writings", vocês podem encontrar os Editoriais e Artigos que me
puseram na rua...), na Faculdade de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana
no Brasil, em São Leopoldo, RS, que, em 1967, o acolheu, sob protestos do Presbitério
Paulistano da Igreja Presbiteriana do Brasil, no Presbyterian Theological Seminary, em
Pittsburgh, PA, Estados Unidos, onde, sem ter diploma de graduação, obteve seu Mestrado
em Teologia (1970), e na University of Pittsburgh, também em Pittsburgh, onde, em 1972,
obteve seu Doutorado em Filosofia, menos de nove anos depois de se formar no Conceição.
É hoje Professor Titular de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP),
onde está desde 1974, lotado na Faculdade de Educação, da qual foi Diretor de 1980 a
1984. Na UNICAMP chegou a ser Pró-Reitor para Assuntos Administrativos, de 1984 a 1986.
Em 1986-1987 foi Diretor do Centro de Informações Educacionais da Secretaria de Estado
da Educação do Estado de São Paulo, e em 1987-1990 do Centro de Informações de Saúde
da Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo. É também Diretor Presidente
da empresa de consultoria Mindware EduTec.Net, com sede em Campinas, e, como se disse no texto, membro
do Conselho Diretor da Aliança Francesa de Campinas. Desde 1998 Eduardo
Chaves é consultor senior da Microsoft Corporation na área da educação.
A partir de 2007 aposentou-da da UNICAMP e assumiu a posição de
Presidente do Instituto Lumiar, mantenedor da Escola Lumiar. Trabalhou
de 1999 a 2006 como consultor do Instituto Ayrton Senna, onde criou e
coordenou (por quatro anos -- de 2003 a 2006) a Cátedra UNESCO de
Educação e Desenvolvimento Humano. Tem quatro filhos, todos casados, e
sete netos.
- Eduardo Chaves projetou e executou este site
em 1995 e é o seu Web Master - embora muito relapso na sua atualização. [Mas o site só saiu
por pressão do Takasi Simizu, que teve a idéia de criá-lo e é um de seus principais
incentivadores e divulgadores!]
[Biografia atualizada em Janeiro de 2008]
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